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As estações de Viga Gordilho 

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Artista Viga Gordilho
Foto: Péricles Mendes
Outono de 2022

       Maria Virginia Gordilho Martins, nascida em Salvador, Bahia, em 8 de maio de 1953, conhecida como Viga Gordilho. Filha de Maria Sanches de Almeida Gordilho, pintora e Professora de Desenho e Trabalhos Manuais do Colégio Severino Vieira e de José Geraldo Veloso Gordilho, homem de muita sensibilidade. Casada com o arquiteto Paulo Moreira Martins, tem 3 filhos, Marianina, Maria e Paulo; uma filha de coração, Lua e 4 netos, Gabriela, Rafaela, Marcos Paulo e Bernardo. Ainda pequena, sendo a quarta de cinco irmãos, vivenciou um período da infância com a avó materna, Domnina Rezende Sanches de Almeida, em uma fazenda em Santo Antônio de Jesus, cidade localizada no recôncavo baiano, onde conviveu intensamente com a natureza. Essas vivências, por certo, propiciaram na formação de Viga Gordilho, a gênese do seu processo criativo, onde pincéis, tintas, poesia, natureza, quintais e porões povoaram desde cedo as suas "paisagens" imaginárias, o seu "entr(e)stações".

       Iniciou os seus estudos na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, aperfeiçoando-se com trabalhos em cenografias, experiência essa que oportunizou um vasto domínio de materiais distintos e amplo conhecimento do espaço e do tempo. Ainda como estudante da Graduação, germinou a sua carreira de Professora de Artes no Colégio Marista, onde permaneceu por quase duas décadas. Neste período de docência do ensino fundamental e médio, o laborátorio de técnicas de pintura e recursos distintos, fecundou um grande aprendizado de recursos metodológicos e a gênese de uma pesquisa sistemática. Aspectos que semeou o seu ingresso como Professora na Universidade Federal da Bahia, inicialmente como Docente colaborador em 1987, e em 1990, como concursada para lecionar a matéria Pintura.

Com o Mestrado em Artes, teve oportunidade de aprofundar as suas pesquisas em uma dissertação intitulada "Terra, homem e signo: Uma criação plástica, com fibras, pigmentos e corantes brasileiros, associados a possibilidades sintéticas. (GORDILHO, 1995)".

   No ano 2000, concorreu ao PCI – Programa de Cooperación Interuniversitária – Professores – AL, tendo o seu projeto aprovado para a sua primeira bolsa de estudos na Europa, sob o título: "O traje como arte: Analogias matérico-simbólicas entre os trajes valencianos e soteropolitanos – Pesquisa e registro fotográfico de materiais empregados." Nessa experiência, teve como tutora a Profª Elena Edith Monleón Pradas.  Sob esse panorama, foi possível investigar em terras valencianas, na Espanha, a herança moura com o cinzelamento de metais, e o trabalho com rendas, aspectos esses que irão fortemente influenciar a sua obra e rememorações da sua infância no recôncavo baiano.

         Retornou ao Brasil, em março do mesmo ano, para iniciar os seus estudos de Doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP,  morando por quatro anos em são Paulo, onde teve a oportunidade de concorrer a outras bolsas como artista pesquisadora, o que possibilitou o seu retorno à UPV em 2001, para conclusão de suas investigações, em 2002, a sua participação no Projeto Fraenkulturforum nas cidades Essen e Hagen, na Alemanha, em 2003, integrar o projeto itinerante VisibleVisions em Johannesburg na África do Sul, e em 2005, em Nairobi no Kenya.

 

        Como foi referenciado, o fato de Viga Gordilho ter atuado em cenografia por duas décadas, as instalações como linguagem, surgiram naturalmente. A primeira, intitulada, “São as mãos inteligentes?”, foi mostrada em 1995, no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA. Assim, no seu percurso como artista pesquisadora, outras instalações foram apresentadas. Entre elas, destacam-se: “Lusa, um conceito azul”, Galeria da ACBEU em 1999; no mesmo ano, “Cantos dos pedidos” no espaço cultural Sophia Costa Pinto, em Salvador; “Embalagens da fé”, projeto para estação de Metrô em São Paulo (não realizado); Memorizar, Espaço Josep Renau, Facultad de Bellas Artes de San Carlos, UPV - Universidad Politécnica de Valencia, España, ambas em 2000. Em 2001, apresentou a “Dialética del Câmbio” na Sala de Exposição da Facultad de Bellas Artes de San Carlos na UPV.  Em  2002, “um  pedaçinho do céu” no Centro de Antroposofia, Rudolf Steiner, em Hagen, norte da Alemanha; 2003, mostrou a instalação aérea, “Muda Memória”, no Pavilhão da Bienal em Johannesburg, África do Sul. No mesmo ano, expos 4 objetos  instalados no  Museu de Arte Sacra da UFBA, “Corações de fibra" , “Renda Tempo" ,“Cadeiras conversadeiras”, “Castigo e perdão”, e a série de pinturas "Ocultações e espelhamentos", ocupando o claustro com a série "Caixas de afeto", obras essas, relacionadas a finalização do doutorado. Observa-se que os objetos referenciados,  levaram-na a criar o Projeto   coletivo “Assentos lugares de ausência”, exposto no Museu Carlos Costa Pinto em 2005. Neste mencionado   projeto, incluiu   mais dois  novos objetos: “Os pés cansados de minha mãe" e "Os pés ausentes do meu pai”.  

 

       Outros  projetos coletivos, foram criados pela artista,  incentivando sempre a participação de bolsistas PIBIC, estudantes da Pós Graduação e os pesquisadores do grupo de pesquisa MAMETO CNPq, MAtéria, MEmória e conceiTO em poéticas visuais contemporâneas, do qual é líder. É significativo, referenciar também,  “Um Brinde ao Café”, coletivo realizado em 1997, em 4 espaços culturais do Pelourinho, envolvendo 99 artistas na criação de xícaras e “Ruínas Fratelli Vita", intervenção coletiva com 24 horas de duração,  que aconteceu nas próprias ruínas da antiga fábrica de cristais existente na cidade baixa, hoje completamente restaurada. Esse projeto foi registrado em livro, apoiado pela FAPESB. Com a  continuidade do seu percurso em artes, passou a potencializar em suas obras o uso da fibra e da leveza, instalando  objetos em suspensão,  ação esta acentuada nos  projetos; “Afetos roubados no tempo” (1995/2018), “Mulheres de fibra” (2012), “Trânsito de mim mesma" (2012), “Uma pequena floresta” (2013) e “Tempo gerúndio”, (2014).

 

      Falando sobre as pinturas de Viga Gordilho, a Profª de Arte Contemporânea, Sofia Olszewski Filha (In memoriam), no catálogo do projeto “Terra, homem e signo", (1995, f. 12) informa-nos:

 

[...] Não se trata de uma velha volta à arte primitiva, mas uma relação dialética entre as raízes da nossa cultura e a produção artística contemporânea Maria Virginia elabora um diálogo com a realidade nacional e alia os novos conhecimentos adquiridos com os mestres do Recôncavo a um discurso mais amplo [...]

      Pontua-se que três obras da série referenciada, foram aprovadas para participarem no 1º Salão MAM- Museu de Arte Moderna da Bahia, realizado em 1995, onde somente 175 dos concorrentes foram aceitos, como referencia o artista Sante Scaldaferri (In memoriam) no mesmo catálogo (1996, f. 14):

 

[...] Venho acompanhando o trabalho de Viga Gordilho, desde as suas primeiras exposições, e ela vem demonstrando uma constante evolução. Recentemente marcou pontos quando passou pelo crivo dos membros do júri do 1º salão MAM- Bahia de Artes plásticas, onde somente 14% dos concorrentes foram aceitos[...]

 

            As suas obras, foram classificadas pela crítica de arte Matilde Matos, no seu livro “50 anos de arte na Bahia” como pertencente à geração dos anos 70, talvez, considerando-se a sua expressiva participação em cenografia na década referenciada, entretanto a primeira mostra individual de obras de Viga Gordilho, aconteceu em 1986, em Salvador, na Galeria Pancetti, localizada na Rua Dias D´ávila, 109, na Barra, hoje extinta. Nesta individual, ela apresentou 21 telas a óleo, sob a temática “Maninho”. Nome dado em homenagem aos seus três filhos MAria, MariaNIna e PauliNHO. Esta mostra indiciou a finalização do primeiro ciclo –  magistério no Colégio Marista e a sua convivência com inúmeros alunos que permitiram que a Artista não parasse de sonhar. E ela não parou, pois, três anos depois, as poesias de sua autoria, escritas no catálogo da referida mostra, foram adaptadas para texto, e suas obras tornaram-se em personagens para uma peça de teatro batizada como “Maninho no mundo da Fantasia”. Essa foi dirigida por Fernando Guerreiro, coreografada por Lívia Pedro, os poemas foram também musicados por Carmem Metting e gravados pelo coral infanto juvenil da UFBA. A peça ficou em cartaz em 1999, por 30 dias no extinto teatro Maria Bethânia, que era localizado no Rio Vermelho.

      Como já referenciado, com o ingresso da supracitada artista, como docente da Universidade, a tríade, ensino, pesquisa e extensão, gradativamente irá se fortalecer. Com a convivência com o Professor José Rescala (1910 - 1986) no início dos anos 70, ela, não só herdou as preciosas latinhas de pigmentos coulleurs pour La fresque da Le Franc,  mas a paixão pelas técnicas de pintura, levando-a a lecionar a disciplina Teoria e Técnica da Pintura por mais de uma década, o que certamente possibilitou o uso da têmpera, encáustica e acrílica nas suas obras, e, substanciou  as suas publicações, sendo seu primeiro livro: “Cantos, contos e contas: uma trama às águas como lugar de passagem” (2004), adaptação da sua tese de Doutorado, sob o mesmo título, contendo 269 páginas, fartamente ilustradas. Em seguida, vieram as narrativas poéticas em formato de conto: “Onde se esconde o cinza luminoso?” (2006), “Onde as casas se vestem de céu?” (2008), e “O vestido fuxiqueiro” (2013).

            No início dos anos 2000, produz pinturas mais minimalistas e de grande liberdade cromática, tal como o díptico “Ocultações e Espelhamentos", em que usa as cores com grande saturação. O bordado reaparece expandindo a linguagem pictórica, como nos situa o Prof. Luiz Alberto Ribeiro Freire, no prefácio do livro "Cantos, contos e contas", assim conceitua: (2004. f. 9):

 

[..] Todo o trabalho é estruturado de modo a compor um sistema de idéias, símbolos e significados coletivos e individuais, em que cores, materiais, apropriações e objetos fazem-se e refazem-se num processo de significação contínua. A autora aprimora o uso simbólico dos materiais, explorando as possibilidades estéticas e semânticas. Compõe pinturas afeitas ao minimalismo e à arte matérica, trabalhando com o princípio da complementaridade e do espelhamento, jogo que se estabelece em dípticos e polípticos, nos quais conteúdo e continente se alternam intermediados pelas águas profundas da memória cultural [...]

       A quinta mostra individual, “Vozes que morrem no mar”, de 1996, foi exposta na Capela do Museu de Arte Moderna da Bahia. Essa recebeu o apoio da COPENE, o qual possibilitou uma profícua pesquisa do trabalho com bilros, junto as rendeiras da ilha de Maré, localizada na baía de Todos os Santos, projeto seminal para a atuação de Viga Gordilho junto as comunidades da baía de Todos os Santos, onde a artista irá se dedicar com afinco nos anos que se seguem.

           O prêmio SACATAR, como artista residente, credencia essa atuação, que, por certo se tornou um divisor de águas, a partir do seu projeto “Tecido do corpo Social”, resultado da mencionada residência. Juntamente com artistas internacionais. Assim a pesquisadora estreita a relação com a comunidade de Quinta Pitanga, na ilha de Itaparica, onde está localizada a sede da residência SACATAR. Considera-se este projeto a âncora que levou a coordenar o Eixo de Artes no projeto interdisciplinar “BTS – Bahia de Todos os Santos”, desenvolvido de 2008 a 2012, o qual resulta na publicação “BTS em retalhos – ações poéticas em cinco portos da baía de Todos os Santos: Baiacu, Matarandiba, Itaparica, Coqueiros e Ilha e Maré” (2013), apoiado pela FAPESB- Fundação e Amparo à pesquisa do estado da Bahia.

         A fotografia no percurso criativo da artista surgiu no início dos anos 2000, primeiro como ferramenta para a pintura, atualmente, como linguagem – um “tempo gerúndio” – movimento minimalista, trânsito de suas próprias experiências, onde a pesquisadora, poeticamente, expressa pequenas felicidades como pirilampos, a luz de Didi-Huberman – a Sobrevivência dos vagalumes. Então, a partir de 2005, obras modulares, tornaram-se síntese de sua arte – vida, potencializando o aspecto atemporal.

       É importante destacar, que a artista, sempre compartilhou as suas pesquisas com bolsistas de iniciação científica, PIBIC, como já foi citado, e se dedicou com afinco na orientação de monitorias, TCC, mestrandos e doutorandos, tornando-se muitas vezes, curadora das mostras finais dos seus orientandos.

        Sob a presidência da ANPAP (2008 - 2010), Viga Gordilho, além de coordenar dois Encontros de pesquisadores, criou os projetos “Outros papéis” e “Entre folhas”, envolvendo estudantes da Graduação, da Pós Graduação, integrantes do grupo e pesquisa MAMETO CNPq e artistas pesquisadores de todo território Nacional, apresentados respectivamente na Galeria Cañizares (EBA - UFBA), e no Centro Cultural Dannermann (São Félix).

        A atuação dessa artista/pesquisadora inquieta, tem sido relevante no ambiente cultural da Salvador nessas quatro últimas décadas, não somente veiculada ao ensino da matéria Pintura na Graduação, e na Pós Graduação, Teoria e Técnica de   Processos Artísticos e Documentos de Percurso, em nível de stricto sensu. A nível de lacto sensu ministrou Laboratórios de Expressão Plástica e Saberes na Arte e Educação Indígena, colaborando na formação de inúmeros artistas e artes educadores, mas, especialmente, pela produção em arte e o registro sistemático das suas pesquisas.

 

        Destaca-se sua participação como artista-curadora nos projetos "O livro caminhante" Galeria Arte & Memória, Iguatu - Ba (2014); "Narrativas poéticas: em travessias" Mirante do Solar - Casa de Cultura e Ética, Itaparica - Ba. (2015);  "VXII Aquivos poéticos" Galeria do Aluno EBA - UFBA (2016); "Café poético I - Livro de artista" Sala Riolan Coutinho EBA-UFBA (2017); "O outro lado da ponte: pinturas e alguns objetos", Instituto Cervantes Salvador ; "Café poético II: Algumas Correpondências" Sala Riolan Coutinho EBA-UFBA  e "Café poético III: Algumas cartografias", sendo os três últimos realizados em 2018.

      Em 2019, apresentou os projetos, “A última paleta” e  “ Cultivando sementes de obi”. No segundo semestre, fez o seu estágio de Pos doutorado na Faculdade de Belas Artes na Universidade do Porto, onde pesquisou as folhas sagradas, pesquisando a transparência e a fragilidade do vidro, realizando exposições em Lisboa e no Museu da FBAUP.

 

           Viga Gordilho, continua germinando "outros jardins"  entre as suas estações...

Biografia parcial presente no "Verbete Manuel Querino de Arte da Bahia", escrita pela Profa Drª. Maria Hermínia  Olivera Hernandez, para acessá-lo clique aqui

D536

Dicionário Manuel Querino de arte na Bahia / Org. Luiz Alberto Ribeiro Freire, Maria Hermínia Oliveira Hernandez. – Salvador: EBA-UFBA, CAHL-UFRB, 2014.

Acesso através de http: www.dicionario.belasartes.ufba.br
ISBN 978-85-8292-018-3

1. Artes – dicionário. 2. Manuel Querino. I. Freire, Luiz Alberto Ribeiro. II. Hernandez, Maria Hermínia Olivera. III. Universidade Federal da Bahia. III. Título

CDU 7.046.3(038)

Currículo Lattes clique aqui

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